DAECHWITA: QUANDO O PASSADO ENCONTRA O PRESENTE
DAECHWITA:
QUANDO O PASSADO ENCONTRA O PRESENTE
Ana Paula Bertuol[1]
🍁Culturas Híbridas: entre o tradicional e o moderno
Néstor García Canclini (2019) fala que
formas culturais se originam a partir da união entre o tradicional e o moderno,
arquitetando novas identidades culturais. O que não é longe da definição da Hallyu (do coreano, Onda Coreana,
hangul: 한류), que se reestruturou
através do intercâmbio cultural e econômico sem perder suas raízes, uma ligação
indiscutível com a Indústria Cultural surgida em meados do século XVIII com a
Revolução Industrial, que passou a “vulgarizar” a arte, a tornando padronizada,
a recriando para se encaixar no desejo popular e ao mesmo tempo que a tornava
impossível de ser comercializada.
Assim como a tecnologia precisa se modificar
para suprir novas necessidades, a fórmula cultural se renova. O termo usado
para essa ressignificação é “Hibridização”, que não nos traz uma identidade
pura ou autêntica, mas procura dar a ela novas propriedades, sem que este
produto se altere. Esse intercâmbio de informação ficou mais fácil e rápido
quando o espaço físico foi nulificado a partir do meio virtual, unindo pessoas
com interesse em comum e, daí, fruindo maior rede de informações e fazendo uma
troca pacífica e massiva de agregação e ressignificação. Imagine-se estando em
um ônibus, há nele diversas pessoas que podem ou não ter os mesmos interesses
que você e nunca saberá, a não ser que esteja fisicamente explícito e ainda
assim, existe a barreira da comunicação.
A internet facilitou esse fluxo quando
uniu centenas, milhares ou até milhões de pessoas em prol de apenas um
interesse. Estrutura que influenciou na propagação da cultura sul-coreana,
quando nos anos 2000 foi instalado a rede de internet mais veloz do mundo. Com
o investimento no K-pop e em empresas
de entretenimento no ano de 1997, após uma crise econômica, a exportação da Hallyu e a agregação da música coreana a
elementos ocidentais produziu uma nova identidade musical, embasada no bem de
consumo, para reinvestir no material reformulado, popularizado e fragmentado ao
sofrer essas rupturas no seu perfil, efeito de uma globalização.
👑💿 Daechwita: o presente no
passado
Lançada em 22 de maio de 2020, a mixtape solo de Min Yoongi possui 10
músicas compostas e produzidas por ele em parceria com produtores como Pdogg, conhecido por seus trabalhos com
BTS (방탄소년단)[2]
e a BigHit, Epik High, grupo de K-Hip Hop
muito famoso no começo dos anos 2000 o qual Yoongi é fã, além do artista
norte-americano, Max Schneider. Após
quatro anos do lançamento de “Agust D”
e “Give it to me”, o MusicVideo (MV) de Daechwita[3]
trouxe consigo uma série de representações culturais coreanas, a riqueza de
referências foi congratulada pela chefe da ‘Administração do Patrimônio
Cultural’, Chung
Jae-suk, ao mencionar como a música composta
por Yoongi chamou atenção de jovens ao redor do mundo para conhecer melhor a
origem do Daechwita.
O Daechwita (do coreano, 대취타), é um gênero musical
tradicional coreano de marcha militar, e originalmente a música é tocada quando
a vinda do rei é anunciada ou durante a ida de militares para a guerra. Ao
utilizar de recursos do Daechwita para sua música os princípios básicos da
hibridização são identificados através da união com a melodia do Rap e Hip Hop, popular e moderno originado entre as comunidades
afro-descendentes nos Estados Unidos e ressignificados no K-pop. Enquanto observamos que a mixtape foi produzida a partir de uma Storyline, em que o compositor tinha a intenção de contar uma
narrativa cronológica, já usada em trabalhos anteriores. O trecho da letra junto ao título faz referência a chegada do rei como o
próprio Yoongi e o BTS:
~ 대취타 대취타 자 울려라 대취타
빛이 나 빛이 나 내 왕관이 빛이 나 ~
“Daechwita, daechwita, aumente o som,
daechwita.
Brilha, brilha, a minha coroa brilha”.[4]
(AGUST D, Daechwita. Seul, BigHit, 2020)
Yoongi revelou que
a história por trás do MV basicamente
retrata a coroação do Agust D[5],
após sua primeira mixtape, e que a personagem caracterizada como tal, era um impostor, e o verdadeiro dono do
trono estava tramando tomá-lo de volta. Os elementos visuais usados para provar
sua fala podem passar despercebidos através das distrações da composição do
vídeo – como o cenário localizado em Dae
Jang Geum Park , também conhecido por MBC Dramia, na província de Gyeonggi
(Coreia do Sul). Como a crítica levada
pela composição tem intenção de confrontar, principalmente as injustiças e
privilégios da cultura norte-americana e ocidental, a interpretação pode abranger uma série de
acontecimentos recentes que possam ter ofendido sua música e nação.
A encenação de um
rei autoritário e nada compassivo também se atribui a essa temática,
independente de quem seja, ele conquistaria seu objetivo com determinação.
Interpreta-se que o rei impostor fica louco pela ganância e começa uma matança
em massa e para amedrontar, as cabeças dos mortos eram mantidas em exposição.
Para o falso rei, o poder se torna um jogo, quando o verdadeiro Agust D o confronta e a reação parece ser de diversão, e pegá-lo é seu novo
objetivo. A encenação seguinte é de Yoongi sendo levado até o rei pelo seu
carrasco, que na Coreia, durante a dinastia Joseon, eram chamados de Mang Na Ni
(망나니),
que procede com todo o ritual tradicional de seu cargo, com sua dança e uso de
bebida alcoólica não só para limpar a lâmina que teoricamente cortaria a cabeça
de Yoongi, mas para suportar seu dever.
O final possui uma série de dúvidas quando o verdadeiro
rei é solto pelo carrasco que o entrega uma arma de fogo e dispara contra o
impostor, aberta uma interpretação que a história de Agust D e seu reinado não chegaram ao fim e se espera um retorno
para a continuação da narrativa, em termos artísticos, seu próximo trabalho audiovisual. Podemos
notar a construção histórica e a influência carregada por elementos
tradicionais fundidos a modernidade da música pop e o interesse de jovens ao
redor do mundo pelo soft power
sul-coreano. Uma característica da Indústria Cultural, vendo potencial na
mesclagem dos gêneros e citação da história da Dinastia Joseon, como um meio de
informação, lucro, manipulação de conteúdo de composição híbrida, captados
pelos receptores e disseminadores da Hallyu,
uma interação que frui e expande.
As críticas abordadas por Yoongi se revelam como propósito
de sua composição, apontando as dificuldades de entrar no mercado internacional
e como ainda é subjugado mesmo estando em destaque. O orgulho de ser quem é,
dos seus projetos e sua nação também ficam aparentes, fazendo o uso de
instrumentos tradicionais coreanos, um patrimônio cultural que pode não agradar
o mercado ocidental, mas que ele conseguiu distribuir com sucesso. O K-pop é um gênero que vem ganhando muito
espaço recente, e um desses motivos é a expansão do conteúdo audiovisual levado
pelo BTS, e para entender como a Onda Coreana vem ganhando interesse por
diversos públicos foi necessário separar o MV
e a letra de Daechwita por partes
e investigar o material utilizado na sua composição.
[1]
Acadêmica
do curso de Licenciatura em História na Universidade Federal da Fronteira Sul
(UFFS) campus Erechim/RS e bolsista
do Grupo Práxis - PET Conexões de Saberes (FNDE). E-mail:
anabrebelatto@gmail.com
[2] Formado em 2013 pela HYBE, antes conhecida como Big Hit Entertainment, o
BTS é um grupo de K-Pop formado por RM, Jin, Suga, J-Hope, Jimin, V e
Jungkook.O nome do grupo significa, em coreano, Bangtan Sonyeondan, que pode ser traduzido para português como
"escoteiros à prova de balas".
[3] Daechwita significa: “Dae” (대) = Grande; “Chwi” (취)
= Soprar; “Ta” (타) = Bater; uma grande
música com instrumentos de sopro e percussão muito similar a bandas de marchas.
[4] Tradução
minha.
[5] O nome é um anagrama simples de Suga + Deagu Town, a junção dos nomes se refere a cidade onde ele nasceu, assim como o antigo grupo de rappers do cenário underground onde era renomado e famoso, antes de tornar-se membro da empresa BigHit Entertainment e do Bangtan.
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