Síntese "As veias abertas da América Latina"
UNIVERSIDADE FEDERAL
DA FRONTEIRA SUL (UFFS)
CAMPUS ERECHIM
GRUPO PRÁXIS - PET
CONEXÕES DE SABERES/LICENCIATURAS
Caio A. S. Brito, Ellen S. do Nascimento, Fatima A. M. dos Santos,
Jenifer de Aguiar, Kalinka Iung, Luíza Zelinscki, Paulo A. D. Junior, Talia G.
Fianco, Thífany Piffer, Thiago Ingrassia Pereira
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RESUMO
GALEANO, Eduardo. As
Veias Abertas da América Latina. 4°ed., Rio de Janeiro, editora Paz
e Terra, 1978.
INTRODUÇÃO
Qual o significado de riqueza? Viver
sobre a terra diversa, extensa e abundante ou saber administrar? Todos esses
conceitos perpassam pela lógica estadunidense e europeia que através da
perspectiva do capital, separam a riqueza da pobreza, pela subalternização do
sul receptor e a fixação do norte produtor. A modernização dos aparatos de
dominação converge para alienação e a constante amnésia de uma América Latina
usurpada. Há uma ilusão do contexto social que impede a visualização do todo e
gera o desejo de alcançar o maior número de posses possível, sem que haja
qualquer tipo de questionamento.
Toda
a estrutura de aprisionamento de latino americanos e latino americanas encontra
um horizonte de liberdade no poder de aquisição, como sempre foi ensinado. O
não reconhecimento e não pertencimento ao território latino americano faz que
com que a limitação das ações se traduzam na função única de obedecer, trabalhar,
exportar e importar a diversidade desse espaço. A dominação começa pela
invenção da América e pela exploração daquelas e daqueles que não se reconhecem
como americanas e americanos.
“NUNCA SEREMOS
FELIZES, NUNCA”
No grande sobrevoo que Eduardo Galeano faz
nesse livro, ele perpassa por pontos que vão desde a instalação da monocultura
no Brasil colonial, como o açúcar e o café, até a integração da América Latina
pelo imperialismo norte-americano no período em que ditaduras explodem como
fogos em diversos países.
Com a monocultura, as
terras foram devastadas, ou, para usar as palavras de Galeano, assassinadas. O
latifúndio açucareiro brasileiro movimentava a economia mundial: o Brasil tinha
terras, importava os escravos e exportava a produção. Sobrava a fome e a
miséria para a América, o rendimento e os lucros para a Europa. “A expansão
expandiu a fome”.
A América Latina é
pobre para garantir a riqueza dos ricos. É isso que Galeano está tentando nos
mostrar ao longo de todo o livro. Para garantir o sucesso dos empreendimentos
espaciais dos Estados Unidos, a América dos pobres viu seus minerais serem varridos
do seu solo. A América Latina foi assaltada, e o ladrão orgulhou-se mostrando
as fotos de que tinha chegado até a lua.
Ao final do livro, o
texto atenta para as ditaduras militares que chegavam com força em países como
o Brasil, Uruguai, Chile e Argentina. Para Galeano, que escreve essa obra
enquanto muitos desses regimes ainda vigoravam, tratava-se de um “entreguismo”
latino americano. Empresas multinacionais eram recebidas nesses países com
festa, sem precisar pagar impostos e tendo à disposição uma mão-de-obra que
forçaram a ser barata.
“Nunca seremos felizes, nunca”, foram as
palavras de Símon Bolívar. Os que lutam para tentar libertar os latino
americanos e latino americanas das garras dos estadunidenses estão mortos.
Derrotados. José Artigas, José de San Martín e Símon Bolívar e a incapacidade
da América Latina de dar vida ao projeto nacional de seus heróis mais lúcidos.
Enquanto isso, o subdesenvolvimento nosso é consequência do desenvolvimento dos
outros.
Mesmo assim, o último
parágrafo do texto de Galeano é uma faísca. E ela pode incendiar um povo. Pode
redimir os heróis ontem traídos. E aqui não há paráfrase que posso tomar lugar
do texto do autor: “Há muita podridão para lançar ao mar no caminho da
reconstrução da América Latina. Os despojados, os humilhados, os amaldiçoados,
eles sim têm em suas mãos a tarefa. A causa nacional latino-americana é, antes
de tudo, uma causa social: para que a América Latina possa nascer de novo, será
preciso derrubar seus donos, país por país. Abrem-se tempos de rebelião e de
mudança. Há quem acredite que o destino descansa nos joelhos dos deuses, mas a
verdade é que trabalha, como um desafio candente, sobre as consciências dos
homens.
“O SUBDESENVOLVIMENTO
NÃO É UMA ETAPA DO DESENVOLVIMENTO. É SUA CONSEQUÊNCIA.”
A obra, As veias
abertas da América Latina, é um compilado mais preciso de um olhar voltado
para a formação dos países que compõem a América Latina. O autor utiliza de uma
linguagem muito descontraída para relatar as mais diversas formas de exploração
e dominação utilizadas pelos exploradores que aqui chegavam. É importante
ressaltar o momento histórico em que esta obra é construída, um período em que
as liberdades políticas encontravam-se cerceadas e, mesmo por motivos
injustificáveis, era-se exilado e exilada ou, como em muitos casos, desaparecia-se
sem deixar rastros.
É
interessante que, em muitos países, as populações autóctones percebiam suas
riquezas como bens naturais ou instrumentos de adoração para seus Deuses e
Deusas, antes da chegada dos viajantes europeus. Assim como em Potosí, na
Bolívia, em que a descoberta da prata em sua montanha fora também sua perdição,
o Brasil se viu escravo de sua própria riqueza. E como o próprio autor relata
em seus escritos é importante que se diga que a história de Potosí não nascera
com os espanhóis, muito antes deles o povo inca já o contemplava.
A exploração da mão
de obra indígena, segundo as reflexões de Galeano acerca do papel destes
nativos no novo mundo hispânico, reflete um pouco do que As veias Abertas da
América Latina se propõe a ser. Pois se compreendermos a construção do
texto no que tange o indivíduo na sociedade colonial, por óbvio, entenderemos
um pouco das relações que o autor denuncia. Ou seja, os frutos e as
consequências das relações coloniais fundamentadas pelo pensamento moderno.
Estima-se, segundo o
autor, que cerca de 27,5 milhões de nativos viviam no continente no período dos
primeiros contatos e, com o passar de 150 anos, o número diminui para 3,5
milhões. Além das novas formas de relações dos sujeitos com o meio hegemonicamente
impostas pelo domínio colonial, fundamentam também a exploração dos corpos, a
inserção dos grupos nativos - que restaram e resistiram - na sociedade
ocidental, empregando-lhe um papel “legal” na estruturação do coletivo, ou
melhor, uma falsa inserção, um falso papel na construção da sociedade.
Dessa forma, velada
pela legalidade, é que ocorria a exploração de indígenas nas minas de extração
de metal na América hispânica entre os séculos XVI e XVII. O trabalho era
mascarado como legal, assalariado e, a não ser em casos de esgotamento de
condições de saúde, estável. Porém, as condições se mostravam extremamente
precárias, conforme aponta Galeano. O esgotamento das condições agro produtivas
por conta da toxicidade da atividade, as patologias e a legalidade não
cumprida, fruto de uma pressão intelectual (e econômica) de assimilação do e da
indígena.
Colonialismo
apresenta-se, em suma, como um mecanismo pelo qual as nações que comandavam a
economia mundial entre os séculos XVI e XIX transferiam recursos, exploravam a
mão de obra nos territórios subjugados, como também exploravam as matérias
primas e o solo e, assim, acumulavam capitais suficientes para estabelecer e
manter a dominação política e econômica nas colônias. Essa relação se
estabelece, portanto, entre metrópole e colônia. Além disso, é caracterizada
por ser legitimada pelo pensamento colonial, que são os meios de produção do
conhecimento e da cultura, pelos quais a relação de dominação é naturalizada.
Foi
por conta da prata que se encontrava na montanha de Potosí que, em apenas vinte
e oito anos, a população da cidade crescera mais que Paris, Sevilha, Madri ou
Roma, e em 1650 contava com cerca de 160 mil habitantes, o que lhe concedia o
título de ser uma das cidades mais ricas do mundo. Se olharmos para o Brasil,
veremos que o panorama se assemelha. Foram diversas as maneiras de saquear
nossas riquezas. Como apresenta Galeano, em fins do século XVIII, o Brasil
estava quebrado, o estado de Minas Gerais estava em decadência, seu povo já
miserável viu-se obrigado a arrancar do solo desgastado alimentos para sua
sobrevivência. Foi a partir daí, também, que minaram os latifúndios de terra e
o que restou foram poucas obras de artes e milhões de famintos e famintas com a
renda per capita menor que a do período colonial.
No
que tange as resistências de negros e negras, no nordeste do Brasil, no século
XVII, o reino de Palmares organizava-se em um Estado muito parecido com o que
existia na África. Palmares foi a rebelião que mais durou na história
universal, com cerca de dez mil pessoas defendendo a fortaleza em seu último
enfrentamento antes de seu líder Zumbi ser decapitado. Há cerca de 4313 km, no
Haiti, essa mesma realidade coexistia, e em ambos eram entoados cânticos em
nagô, yorubá, congo e outras tantas línguas africanas como forma de se
comunicar com a Mãe África. Não era exceção os casos em que grupos inteiros se
suicidavam na esperança de ressuscitar em carne e espírito as Áfricas. Em
contraponto, a abolição da escravidão, em 1888, não foi suficiente para que
fosse abolida a venda do gado humano.
Com a chegada da
modernidade vieram também as disputas sobre o petróleo, principal combustível
para a indústria química e atividades militares, um imã que atrai olhares
poderosos para a América Latina, como é o caso das potências norte-americanas,
à procura de tesouros escamoteados em nossos solos historicamente disputados e
explorados. Assim como gera riqueza para quem explora, gera a miséria para seu
povo. Da mesma forma que ocorreu com o café, ou com outros produtos primários,
enquanto os países ricos os consomem, os pobres devem agradecer por
produzi-los.
Em alguns momentos,
Galeano cita algumas “multinacionais” do ramo petrolífero que não nos soam
estranhas, como é o caso da poderosa Royal Dutch Shell ou a Standard Oil,
envolvidas em muitas negociações políticas, podendo ou não determinar a
situação de governabilidade de países em que o petróleo jorra. Muitas vezes, as
empresas que detém o controle sobre o petróleo podem decidir a queda de governos
a partir de golpes de Estado, ou então, permanecem financiados com o dinheiro
que provém de solos latinos americanos.
Em 1928, de acordo
com Galeano, três grandes empresas, Standard Oil de Nova Jersey, a Shell e a
Anglo-Iranian se puseram em acordo para dividir o planeta. Foram muitos os
países que aceitaram “ajuda” de empresas como estas para não sucumbirem ou
perderem seu posto, e as que se mantiveram firmes em nacionalizar o petróleo e
tirar o ouro das mãos destas poderosas se viram cerceadas por muitos organismos
internacionais que sabem bem como convencer do contrário.
Com o passar dos
anos, podemos perceber as modificações das quais o capital se apropria para que
seu índice de lucratividade não venha a decair, e para que isto aconteça é
necessário constituírem alianças, monopólios privados e o aparato estatal, uma
vez que o provento passa pelas mãos do Estado. Neste sentido, As veias
abertas da América Latina nos aponta de que maneira o sucesso dos Estados
Unidos, Portugal e Inglaterra é importante para o fracasso de todos os países
da América Latina. “O subdesenvolvimento não é uma etapa do desenvolvimento. É
sua consequência.” Pode-se compreender, então, que a América Latina não deixou
de ser colônia de exploração. Os aparatos de dominação não cessam de se
reinventar. O processo de industrialização apenas altera a forma de organização
da desigualdade, mas infelizmente não a elimina.
A maneira utilizada
pelo autor para informar sobre os fatos ocorridos é de uma riqueza admirável,
pois podemos lê-los sem necessariamente seguir uma ordem cronológica ou mesmo
sem necessitar ter uma preocupação com a sequência dos capítulos que seguem. O
próprio Galeano comenta em seu posfácio, a maneira proposital de escrita para
que fosse de fácil acesso, para que fosse como um jornal a informar a todos e a
todas sobre a verdadeira história do processo de colonização da América Latina.
Também é válido enfatizar que a obra analisada não está isenta de críticas
construtivas e novas reflexões, mesmo que os escritos não tenham sido
formulados a partir do meio acadêmico. É necessário estar sempre em movimento
na busca de novas fontes que ampliem o nosso horizonte de expectativa.
CONCLUSÃO
Trazendo Manuela Carneiro da Cunha para o debate, a intenção dos
conquistadores europeus sempre foi predatória, de exploração da terra, dos
recursos naturais e das pessoas, assim, desde a Era dos “Descobrimentos” alguns
países se especializaram em ganhar e outros em perder. Perdemos, inclusive, o
direito de nos chamarmos americanas e americanos; habitamos uma sub-américa,
uma América de segunda classe, subalterna. Tudo se transformou em capital
europeu e, mais tarde, norte-americano. Como pontua Eduardo Galeano, a chuva
que irriga os centros do poder imperialista afoga os vastos subúrbios do
sistema.
Quanto
mais tentamos nos parecer com Paris, Londres ou Nova York, mais reforçamos o
nosso subdesenvolvimento, o nosso espaço de subalternidade, o deserto que está
às nossas costas. A importação, não só da tecnologia estrangeira, que não é de
ponta, mas sim de segunda linha, que castiga e sufoca as indústrias nacionais,
como também de projetos copiados dos moldes e dos interesses estrangeiros, faz
com que a camisa de força nunca se rompa. Na América Latina, é preferível o
bem-estar de uma minoria, enquanto a miséria se expande, visto que, a pesquisa
põe em xeque as estruturas vigentes, retirando as classes dominantes de seus
palanques.
Como
traz Galeano, o cenário uruguaio de 1977 é composto pela quinta parte da
população ativa com o intuito de vigiar, perseguir ou castigar quem foge à
norma, quem se apresenta como um inimigo em potencial, em favor da democracia,
da “ordem” da Nação, da segurança do povo. No limite, através do Estado de
Exceção permanente, decidir quem vai viver e quem vai morrer. O terrorismo de
Estado paralisa as pessoas pelo medo. Nossos países se tornam ecos e vão
perdendo a voz, presos, enclausuradas e enclausurados, dentro ou fora dos
cárceres.
Eduardo
Galeano defende que a história é um profeta com o olhar voltado para trás: pelo
que foi, e contra o que foi, anuncia o que será. Assim também se parece o anjo
da história de Walter Benjamin. Enquanto os escombros não cessam de se
amontoar, os países estrangeiros modelam e remodelam o estatuto colonial; a
dominação está, a todo momento, sendo reinventada. Dessa forma, a obra de
Galeano se apresenta como a tentativa de divulgar certos fatos que a história
oficial, contada a partir do ponto de vista dos “vencedores”, tenta mascarar.
Dialogar sobre As veias abertas da América Latina é rasgar com a ideia
que um Norte que tudo produz e do Sul que tudo reproduz.
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Contato do Grupo PET Práxis:
e-mail: petpraxiserechim@gmail.com
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