LIVRO “A RAZÃO NA HISTÓRIA”, DE HEGEL, COMO EXEMPLO DO MODERNO CONCEITO DE HISTÓRIA
Bruna Feiden¹
Até
o século XVIII se tem uma noção de Historia
Magistra Vitae, ou a história como mestra da vida, pensada em um sentido
prático, onde poderia se aprender com os erros do passado para não os repetir,
concepção propiciada por um período de tempo parado, sem grandes revoluções,
onde se tendia a acreditar que a história seria cíclica e que tudo sempre
voltaria a acontecer. Essa utilidade da história deixa de fazer sentido a
partir de 1780, quando mudanças nos meios sociais causam a aceleração do tempo,
inaugurando um novo horizonte de expectativas e fazendo os historiadores
repensarem a forma como estavam concebendo essa ciência.
O
século XIX, além de ser conhecido por ser o
século palco das grandes Revoluções Francesa e Russa, onde se percebe
uma diferente experiência de tempo, uma grande assimetria entre o espaço de
tempo e o horizonte de expectativa, e quando os indivíduos tomam consciência do
lugar que ocupam e da possibilidade de alterar sua posição através das
revoluções, também é considerado o século da História, pois é nesse momento que
se dá a profissionalização dessa ciência, o uso do método nos estudos e o
rompimento com a literatura. Nesse sentido, o historiador passa a ser
encarregado de mostrar para que lado a humanidade deveria se dirigir, sempre no
objetivo de alcançar o progresso e o desenvolvimento.
Vendo-se
que a concepção de história como mestra da vida já não fazia sentido mediante
as revoluções, o historiador alemão Reinhart koselleck (1923-2006) desenvolve
um moderno conceito de História, onde ela se designa como “conceito mestre,
político e social” (KOSELLECK, 2013, p. 37), um mecanismo que compilaria o
presente, passado e futuro, além de regular as experiências humanas. O autor
também faz a fusão dos termos Historie
e História, sendo o primeiro uma definição do conhecimento, da ciência e de
narrativas plurais, como as de guerra, por exemplo, e o segundo estaria mais
relacionado a uma história particular, um conjunto de conhecimentos que não
abre espaço para aquela teoria de tempos cíclicos onde ela serviria como
exemplo. Dessa fusão de termos
resultaria, então, a história em si e para si, o conceito moderno dessa ciência
e que estaria na produção de alguns filósofos da história.
Um
dos filósofos que pode ser citado como exemplo desse novo conceito de história
seria o idealista alemão Georg
Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), que teve grande importância
devido a seus estudos, sendo o primeiro autor a criticar o historicismo, ele
teve seu nome associado aos mais diversos regimes, do marxismo ao fascismo,
como explica Ernst Cassirer, “nenhum outro sistema filosófico exerceu uma
influência tão forte e tão duradoura na vida política como a metafísica de
Hegel.... Não há um único grande sistema político que tenha resistido à sua
influência.” (apud HEGEL, 2001, p. 11). Ainda jovem o autor publicou a
Fenomenologia do Espírito, uma de suas obras mais conhecidas, onde fala sobre o
espírito humano e constrói uma narrativa sobre a razão.
Percebe-se, então, que Hegel teve grande importância na
história, como destaca Robert S. Hartman (2001, p. 11) “Em Hegel, a filosofia e
a história se encontram. Ele foi o notável filósofo da história e também o
historiador da filosofia. Mas, acima disso, ele foi o filósofo que
decididamente mudou a História.”. Foi Hartman quem escreveu a introdução do
livro Lições sobre Filosofia da História,
uma obra póstuma construída a partir de suas anotações, onde ele explica a
teoria de que a História é governada pela Razão, que em seu sentido concreto é
o estado. Nessa filosofia, a história não seria apenas resultado da reflexão
humana, mas a expressão do espírito se movendo no processo da história mundial,
sendo esse o meio da realização da liberdade humana, ou seja, a História é o
avanço da consciência de liberdade.
Após essa tentativa de análise da obra de Hegel, busquei
entender o porquê de ela ser um exemplo do moderno conceito de história,
percebendo que naquele momento tão cheio de mudanças, à luz das grandes
revoluções, a modernidade se colocando como um novo tempo e causando a
aceleração. Essa aceleração, como explica Koselleck (2006, p. 316), causa uma
quebra no espaço de experiência e horizonte de expectativa, distanciando o
passado do futuro e permitindo que se pudesse esperar um futuro diferente, já
que nada mais poderia ser projetado no futuro a partir do passado. Essa noção
de um futuro aberto que pudesse ser melhor, inevitavelmente leva a uma ideia de
progresso, de desenvolvimento e assim “toda a história
pôde ser concebida como um processo de contínuo e crescente aperfeiçoamento”
(KOSELLECK, 2006, p.317).
E é essa mesma perspectiva que Hegel trás quando associa o tempo com a experiência, levando a uma noção de força que exclui a causalidade, substituindo-a pelas forças dinâmicas, e assim, se viveria, ou se estudaria história em um sentido de sempre buscar o melhor, o progresso, visto que para o idealista, o objetivo principal da história seria cada vez mais aperfeiçoar o homem, numa percepção de que a história nos ensina que a história não nos ensina nada. O homem tem o seu centro na cabeça, ou seja, na razão, sob cuja inspiração ele constrói o mundo e a realidade (HEGEL, 2001). Em conclusão, entendo através de minhas leituras, que a obra de Hegel seria um exemplo do novo conceito de história, de Koselleck, por elucidar as questões de tempo, progresso e desenvolvimento, e me questionando quanto a utilidade desses conceitos hoje, quando o progresso está ameaçando nossa existência enquanto seres humanos.
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¹Acadêmico do curso de História – Licenciatura na
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) – Campus Erechim. Bolsista do Grupo Práxis – Programa de Educação
Tutorial/Conexões de Saberes (PET/FNDE).
REFERÊNCIAS
CASSIRER, Ernst. The Myth of the State. New Haven. Yale
University Press, p. 248, apud HEGEL, Georg. Razão histórica: introdução geral à Filosofia da História. São
Paulo: Centauro, 2001.
HEGEL, Georg. Razão
histórica: introdução geral à Filosofia da História. São Paulo:
Centauro, 2001.
KOSELLECK,
Reinhart. “‘Espaço de experiência’ e
‘horizonte de expectativa’: duas categorias históricas” In: _______. Futuro
passado. Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro:
Contraponto e Ed. PUC-Rio, 2006, p.316-317.
_______. “Introdução”. (trad.: René E. Gertz).
In: _______. O conceito de História. Belo Horizonte: Autêntica (Coleção
História & Historiografia), 2013, p. 37.
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