DIREITOS E DISPUTAS PELA TERRA NO BRASIL

Thífany Piffer[1]

 

            Reforma agrária, agronegócio, latifúndio, monocultura, usurpação de territórios indígenas, desigualdade de distribuição, mobilizações promovidas pelo Movimento dos Trabalhadores [e das Trabalhadoras] Rurais Sem Terra (MST) são elementos que perpassam o imaginário social quando se toca na questão da terra no Brasil. Todavia, na maior parte das vezes, os conceitos acima elencados não são entendidos como movimentos que estão conectados entre si, que pertencem a um mesmo processo histórico; acabam por ser, dessa maneira, entendidos como práticas individuais. Ou seja, a partir dessa concepção, latifúndio, monocultura e escravização, por exemplo, não apresentariam qualquer relação entre si.

            Porém, ao promover o deslocamento de remontar as origens agrárias do Brasil compreende-se que as grandes propriedades, as sesmarias à título de exemplo, o trabalho compulsório de corpos africanos e indígenas e a produção para exportação são partes de uma mesma dinâmica ainda em curso. A condição colonial, marcada pelo domínio português, pelo poder concentrado nas mãos de poucos grupos sociais, pelas amplas estruturas fundiárias e pelas imensuráveis violências, não foi superada através da emancipação política do Brasil, visto que, não houve mudanças sociais significativas. No limite, com o desfecho do controle lusitano sobre os trópicos, para onde foram as pessoas ex-escravizadas? Onde estão as terras pertencentes aos diferentes grupos indígenas? Quem terá, agora, direito ao acesso à terra?

            A Lei de Terras, sancionada por D. Pedro II em 1850, responde as indagações acima inseridas, visto que, com a suposta abolição do tráfico negreiro e, consequentemente, com o estabelecimento de um regime de trabalho livre, a terra deveria ser cativa. Nesse sentido, a lei nº 601 de 18 de setembro de 1850 estabeleceu uma série de pré-requisitos para a posse de terras no território brasileiro. Ou seja, apesar das críticas oficiais ao latifúndio, o entendimento geral durante o período em questão era o de que nem todas as pessoas deveriam se tornar proprietárias de terras – quem atuaria como força de trabalho?  Os imigrados pós 1850, os Sem Terras da Europa, vistos como uma tentativa de embranquecimento da população, também enfrentaram a mesma problemática. É nesse sentido que se pode afirmar que as lutas pelo direito à terra sempre estiveram presentes na História do Brasil.

            Balaiada, Cabanagem, Farroupilha, Sabinada, Canudos, Contestado, apesar de serem movimentos mais regionalizados, ficaram marcados na História como lutas famosas pelo direito à terra. Por sua vez, Liga Camponesa, Movimento dos Trabalhadores [e das Trabalhadoras] Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Atingidos [e Atingidas] por Barragens (MAB), Movimento dos Agricultores [e Agricultoras] Sem Terra (MASTER) podem ser compreendidos como exemplos de mobilizações de amplitudes nacionais e/ou internacionais e com um maior entendimento de pertencimento de classe. Aqui, abre-se espaço também para os conflitos invisíveis da História, as lutas pela terra ocorridas em plano local, como é o caso de Carlos Gomes/RS.

            É nesse sentido que Eduardo Santos Neumann, na obra intitulada A fronteira tripartida: a formação do continente do Rio Grande – Século XVIII, traz ao centro do debate as disputas a respeito do direito às terras das Missões. Sabe-se que a Historiografia Tradicional sempre privilegiou os embates bipartidos estabelecidos entre a coroa hispano-americana e a coroa luso-brasileira, desconsiderando a existência de um terceiro agente interessado nessas questões: a fronteira indígena. Sendo assim, o Tratado de Madri (1750) provocou uma reação “escrita” dos Guaranis das Missões, encabeçada por uma elite indígena, demarcando a contrariedade à execução da troca das missões orientais pela Colônia do Sacramento.

            O contexto acima descrito acabou por desembocar na Guerra Guaranítica (1754-1756) que, por sua vez, pode ser entendida como ferramenta para a defesa do direito histórico, da ancestralidade e da territorialidade como base da identidade dos povos indígenas. Compreende-se, assim, que a formação do atual território sul-rio-grandense se deu através de conflitos entre três fronteiras, a hispano-americana, a luso-brasileira e a indígena pelo direito à terra. A constituição de outros espaços e de outras temporalidades não devem fugir à regra.

 



[1] Acadêmica do curso de Licenciatura em História da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) campus Erechim (RS) e bolsista do Grupo Práxis – PET Conexões de Saberes/Licenciaturas (FNDE).












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