RESPIRAR COMO UM ATO DE RESISTIR

 RESPIRAR COMO UM ATO DE RESISTIR


Lindaura Simone Andrade Dos Santos[1]

 


“Eu não consigo respirar” 

Esta frase é mais do que o último suspiro de vida, pode-se dizer que é o grito para eternidade. A morte de George Floyd é o reflexo do controle que as instituições estatais têm sobre a vida dos corpos pretos, corpos esses que já carregam marcas de violência antes mesmo de sair dos úteros. A falta de ar está sendo muito discutida neste momento por conta do período pandêmico conduzido por um vírus que age nas vias respiratórias e vem causando uma asfixia generalizada.

De acordo com o filósofo contemporâneo Achille Mbembe no seu mais recente escrito chamado, “O direito universal à respiração” aponta que a falta de ar de uma parcela da humanidade já ocorria muito antes desse período catastrófico, em razão de que, o que são as inúmeras derrubadas e queimadas de árvores cotidianamente? O que seria a alta taxa de mortes prematuras contra a população negra? Senão, o impedimento de respirar. Os “Georges” brasileiros vivem um curta metragem de violência diariamente, permeada pelos medos de gestos simples, como: colocar as mãos nos bolsos em lojas, supermercados e entre outros ambientes de vendas ou até mesmo usar um guarda-chuva para se proteger desse fenômeno natural.

O medo é o resultado mais bem elaborado da construção do imaginário do sujeito negro na sociedade do pau-brasil, as cidades se tornaram campos de perseguições ou campos de batalhas como diz o cantor Edson Gomes, as ruas são pistas de corridas que tem como pódio a conquista de oxigênio, ou seja, mais um dia,  os ônibus são as reproduções dos navios negreiros, isto tudo se acentua quando falamos na sobrevivência dentro das grandes metrópoles, que guarda em suas margens as “úlceras” através da guerra diária que é viver.

Respirar aqui é um ato político, uma vez que nunca foi fácil resistir dentro de uma estrutura que nega a existência de milhões, diante de mais de 470 mil mortes devido à asfixia do momento (coronavírus), respirar tornou-se uma denúncia e uma anunciação de que continuamos a existir. Respirar neste caso é poetizar, além de ser alimento do corpo, transfigura-se na subsistência da alma, respirar pode se caracterizar como esperança de que o próximo dia não terá mais óbitos e estejamos todos vacinados(as) para poder voltar às nossas atividades de maneira "normal".

 Respirar hoje é mais do que uma necessidade humana, o ato virou palavras de ordem em prol do direito que Mbembe já salientou como “originário de habitar a Terra, próprio da comunidade universal de seus habitantes, humanos”(2020, p.9) e não-humanos, que a luta do amanhã seja a felicidade em um mundo onde todos tenham a possibilidade de respirar.




[1]
Acadêmica do curso de Licenciatura em Ciências Sociais da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) campus Erechim (RS) e bolsista do Grupo Práxis - PET Conexões de Saberes/Licenciaturas (FNDE).

[2] MBEMBE, Achille. O direito universal à respiração. N-1; 2020. Disponível em: https://n-1edicoes.org/020







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